quinta-feira, 26 de março de 2020

Utopia x Distopia


Quando a gente pensa em distopias a gente pensa em mundos pós apocalípticos ou em mundos completamente totalitários com governos e empresas tecnológicas dominando tudo. Quando a gente pensa em distopias a gente olha pra nós mesmo e pra nossa condição e pensa: “tá bom assim do jeito que tá”, mesmo sabendo que não tá nada bom. É provável que as pessoas procurem na distopia uma paz de espirito que não exista naquele momento em suas vidas.  É provável que as pessoas não entendam que a distopia é mais realidade que ficção.

Tecnologicamente já somos todos controlados, celulares, computadores, contas de email, acesso remoto, cartão de crédito, App de rastreamento, tá tudo aí e a gente convive muito tranquilamente com tudo isso, uns mais e outros menos. Uma parcela da população não tem nada disso e segue alheio as imposições que são feitas diariamente para que se esteja conectado 24 horas por dia, mas bem, independente da pandemia que nos assola hoje, esses também não viveram para sempre e as novas gerações que virão terão internalizado que “Ser tecnologia” é praticamente a mesma coisa que existir. Grandes distopias como as de Issac Assimov nos apresentam esse mundo em que a tecnologia é praticamente o próprio existir, existiria algo para além disso?

E nas questões políticas, grandes obras falam em mundos destruídos, ou com poder completamente centralizado. O que vemos hoje são políticos ou seus partidos por 10, 15, 20 anos no poder. Não é aquela ditadura distópica a que estamos acostumados e ler em livros ou ver em filmes, mas aquela imagem de totalitarismo nazista dos uniformes e bandeiras ou do Mad Max ou Tank Girl em que as cidades vão sumindo e tudo vai se tornando cada vez mais hostil parece bem longe de acontecer. O medo da ciência está aí, queimar livros não tem sido uma realidade tão distante e o Fahrenheit é bem palpável. A religião evangélica e as Jihads nos colocam diante de mundos totalitários muitos assustadores.

E seguem outros modelos, distopias climáticas, distopias pandêmicas (como a atual), distopias psicológicas, distopias étnicas e raciais, distopias temporais, distopias econômicas, são várias possibilidades, todas provém do estado atual de utopia em que nos encontramos e a transformação nunca é sentida a curto e médio prazo. Qual a maior distopia em uma sociedade capitalista e de consumos? Não existir mais consumo? Não existir mais quem explorar? E quando não existir mais o que explorar, qual será a nova utopia? Socialismo utópico? Anarquismo? E se pensarmos em distopias de extermínio da humanidade, em que pequenos grupos se mantém vivos para repovoar a terra (de novo, Mad Max e Tank Girl), que valores de hoje essas pessoas carregariam consigo para essa nova sociedade distópica, afinal, os macacos de o Planeta dos Macacos sofrem dos mesmos vícios que os seres humanos atuais e a sua distopia é mais espelho que ruptura. A distopia faz parte da utopia e não está desvinculada desta, mas o que é utópico pra um pode parecer muito distópico para outros.

São tempos de transformações profundas, a distopia é a forma que a filosofia e arte encontraram para fazer previsões do nosso futuro e assim olhar para nós mesmos. Do Jardim do Éden a Black Mirror passando pela República de Platão ou o Inferno de Dante, utopia e distopia estão ali, mas seria a utopia o futuro? Se a utopia é o lugar ideal que não é o agora, qual seria esse lugar? O passado? Quem garante que o passado foi melhor? E se a Utopia não é o agora, a distopia seria esse presente constante em que vivemos ou essa infindável busca pelo passado? Somos seres distópicos por natureza? Ou a maior distopia seria esse individualismo latente e o fim da busca por progresso e de novas utopias? O tempo é esse arcabouço das histórias, sejam elas reais ou ficcionais. Chegamos no limite? Queremos voltar, ignorar ou esquecer tudo isso que está ai?

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