Meu corpo não é espelho
Não é esse espelho dos prazeres hedonistas
E dos sonhos de consumo capitalista
Não, nunca foi!
Meu corpo não é espelho
Não pertence a esse patamar das linhas perfeitas
Das retas e curvas simétricas
Nele não há simetrias
É torto, cheio de estrias
Com buracos e secreções
É cheio de defeitos e vícios
Alguns naturais e outros adquiridos
Cada um com sua história de vida
Com toda a potência degenerativa que um corpo pode ter
Porque é sabido que corpo morre e apodrece
E se o corpo é apenas a caixa de nossa alma
Logo meu corpo não é espelho
Ele pode ser uma caixa
Mas não essas caixas perfeitas das lojas de grife
Que vem embrulhada em um papel brilhante e com um lacinho bonito
Que alma teria orgulho de uma caixa assim?
Talvez os consumistas, ansiosos por vender sua caixa
E colocá-la em eterna exposição, sempre com placa de vende-se
Mas essa caixa não me cabe
Talvez uma caixa amassada e machucada
Dessas que o conteúdo arromba as bordas porque não coube dentro da caixa
Que de tão torta e arrombada a gente tem que amarrar com um barbante velho pra não ver ela se desfazer
Mas nunca espelho, isso não!
Nem imagino como deva ser a perfeição
Nenhum erro, o sorriso perfeito, todos os dentes branquinhos no lugar
Nenhum cabelo branco, nenhuma natureza morta
E cheio de mentiras
Quem quer ser espelho esses tempos?
Qual a audácia me levaria a pensar que ser um reflexo de tempos sombrios é bom?
Que toda essa demasiada exibição faz bem?
Eu acho que é melhor ser caixa
Uma caixa velha e arrombada
E guardar essas dores, essas perspectivas frustradas e esses sonhos que não se realizam bem amarrados com barbante velho
Antes que tudo se desfaça

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